domingo, 10 de agosto de 2008

A eficácia da fiscalização

O número de mortos e de feridos em acidentes de trânsito apresentou redução significativa nos hospitais das redes municipal e estadual de São Paulo, especializados no atendimento a vítimas de desastres nas ruas e estradas. Em cinco unidades administradas pela Prefeitura de São Paulo dedicadas a esse tipo de socorro, o movimento de julho, primeiro mês em que vigorou a nova Lei Seca, caiu 32% em relação ao mesmo período do ano passado. No Hospital Jabaquara, que mantém plantão 24 horas e atende os acidentados nas Rodovias Imigrantes e Anchieta, a redução ultrapassou os 59%. Na rede estadual, nos 30 hospitais públicos, o índice de queda atingiu 42%. Isso tudo significa que nesse último mês de julho houve 399 mortes a menos no trânsito da capital paulista e nas estradas do Estado do que em julho de 2007.

Os dados são animadores num país onde, anualmente, cerca de 35 mil pessoas perdem a vida e outras 400 mil ficam feridas em 1,5 milhão de acidentes de trânsito. É um equívoco, porém, atribuir as estatísticas animadoras exclusivamente ao rigor da Lei Seca, a Lei 11.705/08 que, para muitos especialistas em direito penal, contém exageros e chega a ferir a Constituição.

A redução do número de mortes e de atendimentos hospitalares se deve, efetivamente, à fiscalização intensa que as autoridades de trânsito e a polícia vêm fazendo nas últimas semanas, com maciça divulgação pela imprensa. Se a decisão de fiscalizar com rigor tivesse sido tomada há dez anos para fazer cumprir o que estabelecia o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o número de mortos e feridos nas ruas e estradas do Brasil, provavelmente, já seria equivalente ao de países desenvolvidos.

Diante do aumento acelerado do número de acidentes e mortes nos últimos meses, no entanto, os legisladores estabeleceram como critério diferenciador da infração administrativa e da infração penal o nível de álcool encontrado no sangue dos motoristas. Se o bafômetro ou qualquer outro exame indicar até 0,2 decigramas de álcool por litro de sangue, a polícia não pune o condutor. Quem apresentar entre 0,2 a 0,6 decigramas responderá por infração administrativa e acima de 0,6 decigramas, por infração penal.

Como observa o mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Luiz Flávio Gomes, em artigo publicado na revista jurídica Última Instância, a tipificação do crime exige embriaguez e direção perigosa, com risco concreto para a segurança viária, ou seja, "condutor anormal e condução anormal". Portanto, não se deveria considerar incurso em infração penal o motorista que tenha concentração de álcool igual ou superior a 0,6 decigramas, mas que dirige o seu veículo corretamente. Trata-se de infração administrativa e a prisão em flagrante do motorista passa a ser um abuso.

Segundo o especialista, não se deve admitir presunção contra o réu: se estava bêbado, automaticamente cometeu infração penal. Não se pode nunca confundir a infração administrativa, que pode ter por fundamento o perigo abstrato, com a penal, que exige ofensa concreta ao bem jurídico protegido.

Antes da Lei Seca, o Brasil já dispunha de um código de trânsito que estabelecia limite de tolerância de 0,6 decigramas por litro de sangue para os motoristas dirigirem seus veículos. Agora, mesmo abaixo desse limite, os motoristas flagrados pelos bafômetros são execrados como bêbados e expostos de maneira abusiva nos meios de comunicação.

O que faltou foi fiscalização eficiente para impor o cumprimento de uma legislação equilibrada. A lei que modificou o Código de Trânsito Brasileiro, por seu exagero, corre o risco de ser derrubada nos tribunais, por permitir a violação de direitos básicos.

É muito bom que o País possa comemorar a redução do número de vítimas de acidentes de trânsito, mas é preciso refletir sobre o afã dos legisladores de querer, com novas leis draconianas que atropelam direitos, resolver problemas que não existiriam se as autoridades tivessem exigido o cumprimento rigoroso das leis que já existiam.

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