Álcool e as estradas
Proibir venda de bebida alcoólica é inconstitucional
por Ben-Hur Rava
Considerando a entrada em vigor da MP 415/08, editada em 21 de janeiro de 2008, que proíbe a comercialização de bebidas alcoólicas em rodovias federais e acresce dispositivo à Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 — Código de Trânsito Brasileiro, indispensável algumas considerações.
Independente dos aspectos políticos, morais, midiáticos, do clamor popular na busca de soluções que minimizem os acidentes de trânsito nas rodovias brasileiras ,que têm ceifado a vida de milhares de vítimas, a proibição veiculada na MP 415/08, salvo melhor juízo, fere princípios constitucionais, legais e direitos fundamentais dos proprietários de bares, restaurantes, supermercados, armazéns e similares de situados em todas as rodovias federais do país.
O clamor público e o apelo da mídia levaram o Governo Federal a adotar uma legislação extrema e rápida diante do feriado nacional de Carnaval, propiciando que, através de Medida Provisória 415/08, se tomasse uma decisão que retira a eficácia e a legitimidade do debate no seio do Congresso Nacional, que como titular da competência legislativa, pode debater e apresentar soluções mais serenas, técnicas e duradouras, afeitas ao prestígio que se deve emprestar ao Estado de Direito e o respeito às leis no país.
Sendo assim, a medida do Poder Executivo Federal, apresenta-se eivada de vícios legais que devem ser discutidos e corrigidos perante o Poder Judiciário, senão vejamos:
Do ponto de vista constitucional:
a) A ofensa ao princípio da liberdade da legalidade (artigo 5º, II, CF), na medida em que sempre há uma discussão de natureza conceitual e principiológica acerca da natureza e alcance da Medida Provisória. Isso leva, inevitavelmente, a uma discussão sobre o interesse e o papel do Poder Executivo em não se submeter ao Poder Legislativo, que é quem têm a missão principal de legislar.
b) A ofensa ao princípio da liberdade de trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XIII, CF) na medida em que os empresários e proprietários de estabelecimentos comerciais ficam restringidos no seu direito de exercer na plenitude o seu mister empreendedor, tolhidos por medida governamental contrária à liberdade de empresa;
c) A ofensa ao princípio fundamental constitucional que fundamenta os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, CF).
d) A ofensa ao mandamento constitucional que diz a é objetivo fundamental da República garantir o desenvolvimento nacional. Como alcançar esse decantado desenvolvimento na medida em que se tolhe a livre iniciativa de atuar na sua área de especialidade (o comércio) gerando lucro e garantindo salários a milhares de trabalhadores, sem falar na comodidade que propicia a milhões de consumidores.
e) A ofensa aos princípios gerais da atividade econômica, na medida em que ataca frontalmente os dispositivos do artigo 170, CF, em especial: a propriedade privada (artigo 170, II, CF), a livre concorrência (artigo 170, IV, CF) e a defesa do consumidor (artigo 170, V).
Do ponto de vista legal
a) Apesar se estar compreendida na competência concorrente da União a possibilidade de legislar sobre “produção e consumo” (artigo 24, V, CF), deve-se lembrar o confronto que isso implica à competência dos municípios em poderem legislar sobre “assuntos de interesse local” (artigo 30, CF). no qual o comércio está incluído.
b) A discussão da natureza legal e administrativa do conceito de “rodovia federal” e sua adequação ao conceito “faixa de domínio”, utilizado no Anexo I, da Lei 9.503, de 23de novembro de 1997, tendo em vista a natureza jurídica de área urbana e área rural.
c) A notória falta de competência funcional da Polícia Rodoviária Federal para fiscalizar e aplicar multas por decorrência da MP 415/08, no confronto com a legislação que rege a corporação. A lei 9.503/97, no seu artigo 20, III é explícita ao dizer que a Polícia Rodoviária Federal só pode “aplicar e arrecadar as multas impostas por infrações de trânsito, as medidas administrativas decorrentes e os valores provenientes de estada e remoção de veículos, objetos, animais e escolta de veículos de cargas superdimensionadas ou perigosas”; Esse mesmo dispositivo está repetido no Decreto 1.655, de 03/10/95, que disciplina as competências da Polícia Rodoviária Federal. É extremamente discutível se a Polícia Federal tem competência para exercer fiscalização em estabelecimentos comerciais, tendo em mira a venda de alimentos, bebidas e demais gêneros alimentícios, no que, por óbvio, estaria afastada a incidência da disposição contida na MP 415/08: “comercialização de bebidas alcoólicas”.
d) A Lei 9.503/97 já prevê sanções contra o delito de “dirigir sobre a influência de álcool ou de qualquer outra substância entorpecente (artigo 165), constituindo Infração — gravíssima, com a penalidade de multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir, além da medida administrativa — retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Pelo que a MP é redundante, indevida e, ilegal.
O artigo 277, da Lei 9.503/97 já dispõe de medidas que coíbem a direção sob a influência do álcool (“Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo Contran, permitam certificar seu estado”).
Por fim, importa referir que apesar da nefasta adoção da MP 415/08 que tolhe de modo abusivo e ilegal por parte da autoridade pública federal o direito líquido e certo dos empresários e proprietários de bares, restaurantes, hotéis, supermercados, armazéns e congêneres que deverá ser atacada em sede de suspensão liminar (medida cautelar individual ou coletiva perante a Justiça Federal) ou por definitivo (Ação Direta de Inconstitucionalidade, perante o STF), haverá desdobramentos importantes, entre os quais salientamos dois:
1) A possibilidade de ingressar com ações de responsabilidade civil contra a União e, a conseqüente busca de indenização, pelo prejuízo causado aos proprietários de estabelecimentos comerciais que foram proibidos de exercer sua atividade e perseguir o lucro, que é fato econômico natural e decorrente da atividade empresarial alicerçada no princípio da livre iniciativa, tendo em vista seus investimentos, estoques e perda de faturamento;
2) Outro aspecto importante a salientar, diz respeito com a defesa administrativa dos bares, restaurantes, similares e demais estabelecimentos que, compreendidos nas determinações da MP 415/08, tenham sofrido a imposição de multas, tanto pela prática infrativa do artigo 1º (“a venda varejista e o oferecimento para consumo de bebidas alcoólicas”), do parágrafo único, do mesmo dispositivo (“deverá fixar, em local de ampla visibilidade, aviso indicativo da vedação de que trata o art. 1 o”) do artigo parágrafo único do artigo 3º, (“aplicação da penalidade de suspensão da autorização para acesso a rodovia”).
Revista Consultor Jurídico, 16 de fevereiro de 2008
Proibir venda de bebida alcoólica é inconstitucional
por Ben-Hur Rava
Considerando a entrada em vigor da MP 415/08, editada em 21 de janeiro de 2008, que proíbe a comercialização de bebidas alcoólicas em rodovias federais e acresce dispositivo à Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 — Código de Trânsito Brasileiro, indispensável algumas considerações.
Independente dos aspectos políticos, morais, midiáticos, do clamor popular na busca de soluções que minimizem os acidentes de trânsito nas rodovias brasileiras ,que têm ceifado a vida de milhares de vítimas, a proibição veiculada na MP 415/08, salvo melhor juízo, fere princípios constitucionais, legais e direitos fundamentais dos proprietários de bares, restaurantes, supermercados, armazéns e similares de situados em todas as rodovias federais do país.
O clamor público e o apelo da mídia levaram o Governo Federal a adotar uma legislação extrema e rápida diante do feriado nacional de Carnaval, propiciando que, através de Medida Provisória 415/08, se tomasse uma decisão que retira a eficácia e a legitimidade do debate no seio do Congresso Nacional, que como titular da competência legislativa, pode debater e apresentar soluções mais serenas, técnicas e duradouras, afeitas ao prestígio que se deve emprestar ao Estado de Direito e o respeito às leis no país.
Sendo assim, a medida do Poder Executivo Federal, apresenta-se eivada de vícios legais que devem ser discutidos e corrigidos perante o Poder Judiciário, senão vejamos:
Do ponto de vista constitucional:
a) A ofensa ao princípio da liberdade da legalidade (artigo 5º, II, CF), na medida em que sempre há uma discussão de natureza conceitual e principiológica acerca da natureza e alcance da Medida Provisória. Isso leva, inevitavelmente, a uma discussão sobre o interesse e o papel do Poder Executivo em não se submeter ao Poder Legislativo, que é quem têm a missão principal de legislar.
b) A ofensa ao princípio da liberdade de trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XIII, CF) na medida em que os empresários e proprietários de estabelecimentos comerciais ficam restringidos no seu direito de exercer na plenitude o seu mister empreendedor, tolhidos por medida governamental contrária à liberdade de empresa;
c) A ofensa ao princípio fundamental constitucional que fundamenta os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, CF).
d) A ofensa ao mandamento constitucional que diz a é objetivo fundamental da República garantir o desenvolvimento nacional. Como alcançar esse decantado desenvolvimento na medida em que se tolhe a livre iniciativa de atuar na sua área de especialidade (o comércio) gerando lucro e garantindo salários a milhares de trabalhadores, sem falar na comodidade que propicia a milhões de consumidores.
e) A ofensa aos princípios gerais da atividade econômica, na medida em que ataca frontalmente os dispositivos do artigo 170, CF, em especial: a propriedade privada (artigo 170, II, CF), a livre concorrência (artigo 170, IV, CF) e a defesa do consumidor (artigo 170, V).
Do ponto de vista legal
a) Apesar se estar compreendida na competência concorrente da União a possibilidade de legislar sobre “produção e consumo” (artigo 24, V, CF), deve-se lembrar o confronto que isso implica à competência dos municípios em poderem legislar sobre “assuntos de interesse local” (artigo 30, CF). no qual o comércio está incluído.
b) A discussão da natureza legal e administrativa do conceito de “rodovia federal” e sua adequação ao conceito “faixa de domínio”, utilizado no Anexo I, da Lei 9.503, de 23de novembro de 1997, tendo em vista a natureza jurídica de área urbana e área rural.
c) A notória falta de competência funcional da Polícia Rodoviária Federal para fiscalizar e aplicar multas por decorrência da MP 415/08, no confronto com a legislação que rege a corporação. A lei 9.503/97, no seu artigo 20, III é explícita ao dizer que a Polícia Rodoviária Federal só pode “aplicar e arrecadar as multas impostas por infrações de trânsito, as medidas administrativas decorrentes e os valores provenientes de estada e remoção de veículos, objetos, animais e escolta de veículos de cargas superdimensionadas ou perigosas”; Esse mesmo dispositivo está repetido no Decreto 1.655, de 03/10/95, que disciplina as competências da Polícia Rodoviária Federal. É extremamente discutível se a Polícia Federal tem competência para exercer fiscalização em estabelecimentos comerciais, tendo em mira a venda de alimentos, bebidas e demais gêneros alimentícios, no que, por óbvio, estaria afastada a incidência da disposição contida na MP 415/08: “comercialização de bebidas alcoólicas”.
d) A Lei 9.503/97 já prevê sanções contra o delito de “dirigir sobre a influência de álcool ou de qualquer outra substância entorpecente (artigo 165), constituindo Infração — gravíssima, com a penalidade de multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir, além da medida administrativa — retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Pelo que a MP é redundante, indevida e, ilegal.
O artigo 277, da Lei 9.503/97 já dispõe de medidas que coíbem a direção sob a influência do álcool (“Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo Contran, permitam certificar seu estado”).
Por fim, importa referir que apesar da nefasta adoção da MP 415/08 que tolhe de modo abusivo e ilegal por parte da autoridade pública federal o direito líquido e certo dos empresários e proprietários de bares, restaurantes, hotéis, supermercados, armazéns e congêneres que deverá ser atacada em sede de suspensão liminar (medida cautelar individual ou coletiva perante a Justiça Federal) ou por definitivo (Ação Direta de Inconstitucionalidade, perante o STF), haverá desdobramentos importantes, entre os quais salientamos dois:
1) A possibilidade de ingressar com ações de responsabilidade civil contra a União e, a conseqüente busca de indenização, pelo prejuízo causado aos proprietários de estabelecimentos comerciais que foram proibidos de exercer sua atividade e perseguir o lucro, que é fato econômico natural e decorrente da atividade empresarial alicerçada no princípio da livre iniciativa, tendo em vista seus investimentos, estoques e perda de faturamento;
2) Outro aspecto importante a salientar, diz respeito com a defesa administrativa dos bares, restaurantes, similares e demais estabelecimentos que, compreendidos nas determinações da MP 415/08, tenham sofrido a imposição de multas, tanto pela prática infrativa do artigo 1º (“a venda varejista e o oferecimento para consumo de bebidas alcoólicas”), do parágrafo único, do mesmo dispositivo (“deverá fixar, em local de ampla visibilidade, aviso indicativo da vedação de que trata o art. 1 o”) do artigo parágrafo único do artigo 3º, (“aplicação da penalidade de suspensão da autorização para acesso a rodovia”).
Revista Consultor Jurídico, 16 de fevereiro de 2008
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